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Marcelle Gomes Figueira

Vivendo Entre os Omissos e os Evenenados


Ontem foi anunciada a retirada das Forças Armadas da Rocinha. Elas saem sem termos a possibilidade, enquanto sociedade, de fazer uma avaliação sobre os resultados da ação. A impossibilidade de fazermos esta avaliação decorre do fato do Governo Federal em nenhum momento ter divulgado de forma transparente quais eram os objetivos da sua ação e seu planejamento. Esta necessidade de transparência não se confunde com a estratégia operacional, ela é uma prestação de contas, própria das democracias.

O governo Federal chegou no Rio com as Forças Armadas para “resolver”, “solucionar” uma crise que é resultado das sucessivas omissões, tanto do poder público federal, como estadual e municipal.

No âmbito do poder executivo federal não há uma política nacional de segurança pública, o governo federal opta por permanecer como um observador dos problemas enfrentados pelos Estados, sob o discurso de que “as polícias são estaduais logo a responsabilidade são dos Estados”. De forma resumida é possível dizer que o governo Federal não estabelece uma política nacional de segurança pública pois não quer compartilhar o custo político de eventuais fracassos, então segue se omitindo e se fazendo presente em momentos pontuais, sem assumir responsabilidades.

O congresso nacional, dominado por representantes classistas que estão mais interessados em discutir questões corporativistas e na produção de discursos morais, não se revela capaz de discutir uma necessária repactuação federativa no campo da segurança pública, repartindo a responsabilidade entre os três entes federados.

No âmbito do executivo estadual, no caso do Rio de Janeiro, a política das UPPs foi abandonada antes mesmo dos grandes eventos, onde inúmeras pesquisas de avaliação, contratadas pela própria secretaria de segurança, já evidenciava problemas no programa, sinalizando lacunas e a necessidade de sua reformulação. As ações sociais jamais foram implementadas, mesmo após o próprio secretário de segurança pública ter feito diversas críticas em inúmeras entrevistas, alertando para o fato de que a polícia estava sozinha e ela não podia ser a único ator público naquele território.

No âmbito do executivo municipal todas as promessas de ações conjuntas entre estado e município não passaram de ações pontuais. A despeito de todo o conhecimento já produzido e do reconhecimento de que a gestão municipal é a principal promotora de acesso à estrutura de oportunidade e serviços, provendo cidadania, dignidade e qualidade de vida aos cidadãos.

Quando discutimos o papel do município um dos aspectos mais assustador é como se assume, com naturalidade, que na cidade há territórios onde as pessoas vivem sem dignidade, seja em condições sanitárias precárias ou no acesso a serviços básicos como saúde, educação, opções de lazer, dentre outros.

Enquanto os chefes do executivo e os representantes do legislativo não assumem o seu necessário protagonismo político na proposição de políticas integradas, as polícias estaduais, sobretudo a Polícia Militar, não têm onde se esconder.

A polícia é o único integrante do estado que permanece visível sendo ela que responde pelos resultados da ausência de políticas integradas. A polícia sempre está pronta para “invadir”, para “confrontar” e se alguns policiais morrem e se ferem nesta “guerra” sempre tem mais pessoas interessadas em ingressar nas suas fileiras. Não deixa de ser irônica a semelhança entre a forma como o Estado lida com os policiais e como o tráfico lida com seus integrantes, nesta “guerra” os dois lados tem “peças de reposição” permanentes.

A população sob o efeito do medo e da insegurança direciona as suas demandas para o único ator público que se faz presente, a polícia. Uma parcela da população clama por ações cada vez mais violentas no combate ao crime, sob o argumento de que o crime também é bárbaro. O que move esta demanda é o medo e o medo é um veneno.

O medo nos cega e sob a percepção do risco generalizado se constrói uma justificação da eliminação do outro. Se justifica a seletividade da violência policial, se justifica a seletividade punitiva da justiça, se justifica a redução cada vez maior dos valores humanitários e a utilização da barbárie para combater barbárie.

Assim o nosso atual quadro na segurança pública pode ser resumido como um resultado da interação entre os “omissos” e os “envenenados”. A superação deste quadro tem várias possibilidades e elas passam pela Política com “P” maiúsculo, ou seja, pela formulação de ações e programas com objetivos claros, com resultados monitorados e avaliados e por ações cotidianas de inclusão social e afirmação de direitos.

O medo é intrínseco a nossa condição humana, advém do nosso instinto de autopreservação, mas no caso da segurança pública ele é um péssimo conselheiro, pois as demandas por ações espetaculares, iguais a que já vimos no Complexo do Alemão e agora na Rocinha, não produzem resultados efetivos para prover segurança, mas do outro lado permitem que os omissos de sempre continuem se escondendo sob a espetacularização do medo.

Não há saída para a crise política fora da Constituição, não há saída para a segurança pública foram da afirmação e garantia de direitos. Todas as vidas importam.

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