O senso comum no debate econômico brasileiro afirma que um dos grandes problemas de nossa economia é a escassez de poupança doméstica, a qual seria a causa fundamental do elevado nível da taxa real de juros prevalecente no Brasil. Para pequenas economias abertas com mobilidade de capitais, contudo, a escassez de poupança doméstica pode ser vista, no máximo, como a causa dos déficits em conta corrente e, portanto, da tendência à sobrevalorização crônica da taxa de câmbio. A evidência empírica disponível aponta para a inversão da relação de causalidade – o câmbio apreciado é que causa os déficits em conta corrente e a escassez de poupança doméstica.
É fato, porém, que a poupança doméstica no Brasil é muito baixa, e que a retomada do crescimento sustentável exige um aumento da taxa de poupança, do contrário o Brasil continuará dependente de poupança externa e, portanto, refém dos humores dos mercados financeiros internacionais.
Uma das preocupações da Teoria Clássica do Desenvolvimento Econômico foi precisamente explicar como os países que passam por um rápido processo de industrialização conseguem aumentar sua taxa de poupança de 4-5% do PIB para níveis superiores a 15% do PIB num espaço de poucos anos. A explicação encontrada foi que nas fases iniciais do processo de industrialização, a existência de mão-de-obra excedente no setor de subsistência ou tradicional permite que o emprego no setor moderno ou industrial se expanda a grandes velocidades com um efeito praticamente nulo sobre o preço de oferta do trabalho. Como a produtividade é maior no setor moderno do que no setor de subsistência segue-se que a transferência de mão de obra do setor de subsistência para o setor industrial irá resultar num aumento da produtividade média da economia, sem que ocorra, concomitantemente, um aumento do nível do salário real. Esse processo de mudança estrutural irá produzir, portanto, um aumento da participação dos lucros na renda. Como a propensão a poupar a partir dos lucros é maior do que a propensão a poupar a partir dos salários haverá um aumento da taxa de poupança agregada. Ao longo do processo de industrialização das economias em desenvolvimento deve-se observar uma correlação positiva entre taxa de poupança, participação dos lucros na renda e participação da indústria de transformação no PIB.
Essa conjectura é respaldada pela experiência histórica dos países em desenvolvimento onde se observa a existência de uma correlação positiva entre taxa de poupança doméstica e participação dos lucros na renda; e a existência de uma correlação positiva entre a taxa de poupança e a participação da indústria de transformação no PIB.
Quais as lições que podemos tirar para o caso brasileiro? Nos últimos 10 anos ocorreu inegável processo de desindustrialização da economia brasileira seguido, mais recentemente, por uma redução da taxa de lucro sobre o capital próprio das empresas não financeiras. A partir do raciocínio acima, essa mudança estrutural perversa deve ser seguida também por uma queda da taxa de poupança, algo que de fato vem ocorrendo de forma acentuada na última década. O problema da “escassez de poupança” no Brasil pode ser apenas o resultado da perda de importância da indústria de transformação na economia. Nesse caso, a resolução “problema da poupança” passa obrigatoriamente pela reindustrialização da economia brasileira.