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JOSÉ LUIZ OREIRO

O papel da indústria (O Estado de São Paulo, 30/10/2017)


A economia está se recuperando, mas todos concordam que se trata de uma retomada cíclica. Para iniciar um novo ciclo de crescimento sustentável, o Brasil tem vários obstáculos à frente. O mais comentado é a bomba fiscal ainda não desarmada. No campo dos neodesenvolvimentistas, entretanto, a desindustrialização é considerada um problema chave.

O debate é antigo. Economistas heterodoxos tendem a enfatizar o vigor industrial como um ingrediente indispensável para uma sólida trajetória de aumento da produtividade no médio e longo prazo.

Em recente artigo, em que faz uma interessante discussão sobre os países africanos e suas perspectivas de crescimento, o economista Dani Rodrik, de Harvard, cita as três razões clássicas pelas quais a indústria é considerada um passaporte para o desenvolvimento.

A primeira é ser um setor que facilmente absorve tecnologia externa e cria postos de trabalho de alta produtividade. A segunda é que o trabalho na indústria não requer muita capacitação, sendo possível absorver camponeses da agricultura tradicional com apenas um pouco de treinamento. E, em terceiro lugar, a possibilidade de exportar faz com que a demanda por produtos manufaturados não seja limitada pelo consumo doméstico.

O problema, segundo Rodrik, é que o mundo está mudando rápido. A indústria está cada vez mais exigente em termos de capacitação e a globalização tornou o mercado global de manufaturas extremamente competitivo – não é fácil arrancar uma fatia dos superpoderosos países asiáticos. Assim, ele prossegue, há desindustrialização em boa parte do mundo emergente.

“É como se a escada rolante tivesse sido retirada dos países que ficaram para trás”, escreve o economista.

No caso da África, entretanto, ele nota que países como Etiópia, Costa do Marfim, Tanzânia, Senegal, Burkina Faso e Ruanda (e, na Ásia, Índia, Myanmar, Bangladesh, Laos, Camboja e Vietnã) continuam crescendo e devem ter expansão do PIB de 6% ou mais este ano.

Especialmente em relação à África, o que chama a atenção de Rodrik é que o bom desempenho continua mesmo depois do fim do boom de commodities, que empurrou muitas economias do continente. O fenômeno também se dá – o que ele considera estranho à primeira vista – sem sinais significativos de industrialização (e até pelo contrário, em alguns casos).

Em recente trabalho com colaboradores, Rodrik detectou que o êxodo rural naqueles países africanos, que continua, tem como principal destino não a indústria, mas sim os serviços. E, embora haja um salto inicial de produtividade entre a agricultura tradicional e os serviços, este último setor tem um mau desempenho de produtividade. Isso faz o economista prever que o crescimento desses países africanos pode vir a ser uma espécie de “voo de galinha”.

Uma importante causa desse padrão de mudança da estrutura produtiva, segundo Rodrik, pode ser o fato de que a demanda por detrás desse crescimento é interna, derivada dos ganhos de produtividade na agricultura, e não uma demanda externa por manufaturados. Outro fator que pode estar estimulando a demanda nesses países

são transferências do exterior.

Este é um debate relevante para o Brasil, que, embora com um nível de desenvolvimento bem superior ao dos países africanos mencionados, tem o seu crescimento comprometido pela pífia performance da produtividade – e a expansão do emprego nos serviços não sofisticados, em vez de na indústria, é apontada como uma causa importante por uma corrente de economistas.

O economista José Luiz Oreiro, da UnB, diz que “o artigo do Rodrik vai bem na linha do que os novo-desenvolvimentistas defendem”. Para ele, “a transição de uma economia de renda baixa para uma de renda alta só é possível por intermédio da industrialização”.

Nessa visão, o aumento da fatia dos postos de trabalho da indústria no emprego total e a ampliação do valor adicionado da manufatura no PIB geram os ganhos de produtividade que levam a economia para níveis mais elevados de renda per capita.

“Melhorias na infraestrutura e na produtividade agrícola podem gerar ganhos temporários de crescimento, mas é a industrialização que atua como motor de crescimento de longo prazo”, explica Oreiro.

Ele considera que Rodrik endossa a “tese keynesiano-estruturalista” de que aquilo que o país produz (não apenas o que exporta) importa para o crescimento de longo prazo.

“Os liberais brasileiros estão redondamente enganados quanto à irrelevância da estrutura produtiva”, critica o economista.

Já Samuel Pessôa, economista-chefe da gestora Reliance e pesquisador associado do Ibre/FGV, faz uma mudança no enfoque da questão proposta por Rodrik.

“O que parece escapar, quando se lembra do desenvolvimento industrial da Ásia, é que ele já é uma consequência da ótima qualidade da educação e das elevadíssimas taxas de poupança”.

Nesse foco, a escolaridade de boa qualidade é necessária aos modernos postos de trabalho na indústria. Já a elevada poupança reduz o custo de capital (e a indústria é mais intensiva em capital que os serviços) e, por estar associada à possibilidade de taxas de câmbio mais depreciadas, abre espaço para o crescimento liderado pelas exportações e os consequentes ganhos de escala.

Assim, o caminho, tanto para países africanos como para o Brasil e outras economias de renda média que lutam para não ficar atoladas na armadilha da renda média, seria melhorar a qualidade da educação e estimular – na medida do possível – a poupança doméstica.

Esse é um debate que certamente deve voltar à tona quando o Brasil apagar os incêndios, especialmente na política fiscal, que ainda ameaçam a atual retomada cíclica. (fernando.dantas@estadao.com)

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