Em um passado recente, notadamente na primeira década dos anos 2000, os processos eleitorais brasileiros foram marcados por uma certa previsibilidade. De fato, desde 2002, ressalvada a eleição de 2014, as eleições foram marcadas por dois componentes: a centralização do debate em torno de dois candidatos e uma certa convergência de percepções em termos de agenda política. Isto quer dizer que os recursos políticos e financeiros eram gravitacionalmente direcionados para duas coalizões – uma liderada pelo PT e outra pelo PSDB – e que tal dicotomia dava um horizonte de previsibilidade às resultantes políticas derivadas.
Neste sentido, a eleição de 2014 é interessante, pois, foi o último pleito eleitoral construído dentro de uma dicotomia política surgida no pleito de 1993 – PT versus PSDB – assim como trouxe à baila a erosão do consenso político surgido durante a redemocratização de que os resultados eleitorais deveriam ser elegantemente respeitados pelos derrotados. Tais elementos, analisados de um ponto de vista simbólico e discursivo, estão no cerne daquilo que se convencionou chamar de crise política brasileira e tem como uma de suas principais resultantes o processo de impeachment pelo qual passou a ex-presidente da República - Sra. Dilma Roussef.
A partir desses elementos, estabelece-se uma relação causal entre a erosão do consenso político, manifestado no impeachment, e a consequente crise pela qual passa a representação política. Em especifico, ao tratar-se da crise de representação, vem à tona a percepção popular de falta de confiança nas regras e no jogo institucional. Tal opinião coletiva se materializa nos baixos índices de confiança da população na democracia como a melhor forma de organizar a vida em sociedade e tem efeitos diretos sobre a eleição presidencial que se avizinha.
Desse modo, é possível compreender que os elementos acima elencados desembocam em um processo eleitoral marcado por imprevisibilidade. A inexistência – até o presente momento - de um candidato ou coalizão política que possa liderar a dinâmica eleitoral e catalisar as expectativas e esperanças do eleitorado, tem aberto espaço para um pleito que pode ser dividido em três tempos: o primeiro, marcado pelo surgimento de um número consideravelmente alto de postulantes; o segundo, pela consolidação das candidaturas que se transponham do campo das intenções para a ocupação de espaço em uma legenda; e, por fim, a competição eleitoral propriamente dita.
Dando um pouco mais de concretude a premissa dos tempos eleitorais, pode-se afirmar que a atual conjuntura histórico-política está circunscrita ao primeiro destes momentos. Nesta circunstância, cotidianamente a população é informada de que um novo indivíduo pretende ser candidato. A variedade de perfis e trajetórias alimentadas por uma dinâmica eleitoral incerta tornam o pleito que se aproxima oportuno para todo tipo de empreendimento político.
Neste aspecto, não só os nomes se multiplicam como também as pautas. De perspectivas nacionalistas difusas, passando pelo discurso de gênero e desembocando nas questões ambientais, todo tipo de opinião política espera encontrar respaldo para se colocar em termos competitivos diante do crivo popular. Essa característica, que faz alusão a um elemento de renovação em um primeiro olhar, resguarda em si um germe de conservação. Ou seja, a miríade de discursos políticos esbarra no segundo tempo da eleição, a necessidade de um arcabouço partidário que acolha a candidatura.
O segundo tempo parece o mais complexo, pois, as estruturas partidárias quase sem exceção estão em mãos de grupos políticos aferrados ao poder e sem sinais aparentes de esgotamento. Acredita-se aqui, portanto, que dentro de alguns meses haverá uma acomodação natural de alguns dos nomes e discursos que agora se lançam. Tal processo de depuração recolocará nas mãos das lideranças partidárias um maior grau de controle acerca do pleito.
Já no terceiro tempo, o povo entrará em jogo, e o exercício de escolhas limitadas pelas estruturas narrativas e institucionais mencionado será adicionalmente marcado pela necessidade de reconstrução de uma ponte de confiança mínima entre os cidadãos e os representantes a serem eleitos. A resultante deste processo poderá dar algum respiro para a democracia brasileira ou irremediavelmente aprofundar o vale que separa o cidadão comum da classe política como um todo.
De fato, a eleição que, para este texto já se iniciou, tende a se desdobrar no curso de três instantes. Enquanto o primeiro, que é atualmente vivenciado, está marcado por um misto de expectativa e desconfiança, os dois próximos tendem a reforçar a necessidade de reinvenção das estratégias e narrativas eleitorais. Tal processo deriva-se basicamente da ausência de recursos abundantes para a realização de eleição, de um lado, e da falência narrativa de algumas das principais forças políticas da república, de outro.
Por fim, crê-se que o eventual vencedor desta corrida será o candidato capaz de construir uma estratégia narrativa linear em termos de resolução de problemas urgentes, aliada à construção de parcerias eleitorais e partidárias capazes de fornecer atributos fundamentais para o pleito, tais como exposição de mídia e recursos financeiros via fundo eleitoral.