A cada dia, bilhões de pessoas em todo o mundo aguardam ansiosos por informações sobre a pandemia da Covid-19, causada pelo novo coronavírus. Enquanto cientistas buscam a vacina e as melhores substâncias para o tratamento, o restante da humanidade procura a verdade dos fatos, especialmente, as informações que possam trazer algum alento diante da crise.
Os números de casos suspeitos, descartados e confirmados, além de óbitos, aumenta diariamente, e os governos enfrentam o desafio de, diante de cenário tão preocupante, manter a tranquilidade da população e evitar o pânico. Surge aí um dilema ético: apresentar números alarmantes à população para que ela conheça a gravidade e se proteja ou esconder a realidade para evitar o pânico e a irracionalidade dele decorrente?
Diversos países têm sido colocados sob suspeição quanto à divulgação correta dos números. Há desde teorias da conspiração — indicando uma manipulação dos dados tanto para cima quanto para baixo, a depender do espectro político de onde parte a crítica — até o argumento de que a subnotificação deriva da própria dificuldade de se diagnosticar a doença.
Na Islândia, país em que houve maior número de testes por morador, um levantamento da instituição responsável pelos exames apontou que metade das pessoas que tiveram resultado positivo eram assintomáticas. A dificuldade de se conhecer os números precisos fica, então, evidente. Somam-se a isso o alto custo e a necessidade de grande volume de testes para mapear tais casos.
Ainda assim, mesmo sabendo que o comportamento do vírus em diferentes organismos está gerando uma visão limitada de seu alcance nas populações, os números a que se tem acesso atualmente estão sendo usados por pesquisadores de todo o mundo para compreender melhor o inimigo invisível e validar estratégias de prevenção da Covid-19 e seu tratamento. É com base nesses números que as autoridades de saúde perceberam, por exemplo, os resultados positivos do distanciamento social. Ainda: que a curva do surto, em todos os países, se acentua após o 30º dia desde o primeiro caso.
Vivemos um tempo de forte conexão e intenso compartilhamento de informação entre as pessoas. Nesta era, as novas tecnologias permitem que epidemiologistas de diferentes países compartilhem não só suas conclusões, mas os dados que os fizeram chegar até elas, quase que em tempo real.
Não fosse concedido pelos governos aos institutos de pesquisa o acesso aos dados, não se saberia, por exemplo, que o coronavírus sofreu alterações após chegar ao Brasil. Essa conclusão é resultado do mapeamento genético do vírus, que contribui para que se entenda como e com qual intensidade a doença se espalha no país.
Esses exemplos são apenas alguns dos possíveis para que se compreenda a importância da divulgação, com rigor e transparência, das informações sobre o vírus e a doença que provoca. A escolha da ocultação ou da manipulação das informações a que os governos têm acesso não prepara a população para lidar com a realidade. Dados fantasiosos são confrontados com a verdade, que sempre se impõe.
E uma verdade é que estamos em um processo, o que significa que há muitas perguntas sem resposta. Ainda que, dia após dia, sejam feitas coletivas de imprensa apresentando dados, há pouco conhecimento sobre o vírus, sobre a imunidade a ele e sua provável sazonalidade. Essa também é uma informação importante a ser compartilhada, para que o cidadão saiba que algumas afirmações são precipitadas e que é preciso ter cautela ao compartilhá-las.
Outra verdade é que a incerteza se encontra com a urgência: a economia precisa ser protegida, para o bem dos empregos e do sustento das famílias. Modelos de quarentena intermitente começam a ser avaliados, e é necessário, mais uma vez, que os governos trabalhem com transparência.
O pânico não é só fruto do medo da doença, mas especialmente do temor pelo futuro incerto. Nesse momento, todos aguardamos o direcionamento de líderes que sejam capazes não só de guiar, mas de despertar a confiança ao deixar claro – e transparente – onde estamos e onde iremos chegar.
Nesse momento de transição que começa a despontar, em que o isolamento deverá ser flexibilizado, é igualmente importante um trabalho consistente de comunicação e, por meio dela, conscientização. É preciso superar a crença de que as grandes decisões estão apenas nas mãos das autoridades, tutoras da população e detentoras exclusivas da informação.
Gestores da saúde, nos setores público e privado, precisam, sim, determinar medidas de combate à doença, de prevenção; responsáveis pela economia devem liderar as iniciativas de garantia da renda dos cidadãos. No entanto, mais do que nunca, se percebe que é a decisão de cada cidadão — como a de ficar em casa, por exemplo — que pode fazer a diferença entre a normalidade e a exceção.
Manter todos os envolvidos bem informados é a forma de garantir melhor condição de lidar com a situação adversa e com as mudanças que ela provoca em nossa vida em sociedade. A mentira — ou a omissão — não é o remédio para o pânico, mas a vacina é a conscientização.
Marcelo Estrela Fiche
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